23 de mar. de 2010

TEU POETA

Caio Martins
Para Fanny   














(img.art: lucie - tela - 2001)


Eu te vivi intensamente
como se fosses o derradeiro ar
a derradeira vista ao redor
a derradeira vontade de rir, de chorar
o derradeiro grito de revolta.

Não morri de desgosto...

Quis escrever carta sem desculpas
mas defendendo pontos de vista
de concepção de vida anarquista
tanto arrojo, tanta veemência...

Tanta incoerência ao falar de amor.

Poderia, quem sabe
te encontrar de novo distraída
e me dirias que teu amigo poeta
não é bem teu amigo, nem teu poeta...

Momento dos mais graves
estirados de bruços, rindo
da gravidade da vida.

Esta mão que empunha alarmes
deslizando em tuas costas
me pergunta quando poderá
de novo
dedicar-se a carinhos.

Te pergunta se voltará a colocar em papel branco
o canto de sempre, do jeito de sempre
entre
ensimesmado, revoltado, insensato
mordaz, terno, rabugento,
intenso, denso, preocupado,
chato.

As respostas perdem-se
entre um momento e outro
ao despreocupar-nos das conjunturas
estruturas, a oferta e a procura
a malícia das conspirações, loucuras
só restando
perdida num mundo de erros
enterros, desterros, a ventura
de ter-te vivido intensamente.

Tudo mais é um estertor nos ouvidos
esfacelando o amanhecer:

- GUERRA!




"Cantares" - Poema de Antonio Machado - Música de Juan Manuel Serrat
(23/12/1969 - Montevideo - Restaurante “O Cangaceiro”.)

15 de mar. de 2010

9 de mar. de 2010

IMPACTO


Caio Martins


Para Ana Lúcia.










(img: fabian perez - marmol negro II)

Já não seria, este
um tempo de lágrimas.
Que dizer, então,
palavras?

Fechadas as portas todas
farpados quaisquer caminhos
restaria, e nada resta,
senão
tuas formas bobas de beijar-me
eu, de morder-te
e polir velhas nuanças
de estruturas corroídas.

Que o meu amor nada é,
senão angústia e pânico
desconcertado de voltar
ao lugar-comum de gestos
parcos, solidão e vácuo.

Que, no salto intempestivo,
é acre o meu amor mais doce
desdelírio, sombra e sal.

Não, não!

Não seria, este
um tempo de sim, e sim
de espasmos
pois já não seria, era
será
o chocar com portas
farpadas
rasgar-se em cercas
fechadas...

Resta, meu amor,
por nada creditar ao amor
que não liberte,
este tempo ácido
cinza
de não.

2 de mar. de 2010

GESTOS NO BAR


Caio Martins

À Silvana - Peña Cauã.










(img:cvm -lucienne037 - tela)

Estes bares noturnos, moça
são antros de gente perigosa.

Em que pese, são (e)ternos
os músicos mercenários
as bem amadas triunfantes
os amantes latinos
as mal-amadas teatrais
os solitários de sempre
e até mesmo teu poeta
de incêndios orquestrais.

Hermético, teu gesto
jogando negros cabelos
tua afoita blusa exótica
deslizando sem escombros:

- Que belos ombros...

És toda uma mulher
e me assombro, moça
com tua cortante beleza
em sapatinhos de cristal.

A luz raquítica
musica arcos-íris
no compasso de teus braços,
movimento
de dança de teus seios...
(lamento a mesa te ocultando a cintura).

Que cores raras tem a música!
Que gula, no ritual de olhares!
Te falo, invento histórias
falo, falo, falo
e desmonta-se em frangalhos
tanto cenário, e calo...

Cabeça dura, teimosia
seguir querendo ver-te
em meu corpo
a bailar nua.

Guardamos nas sombras das roupas
nas dobras do tremor das ruas
arsenais de sorrisos
armadilhas de palavras
etéreos e afiados punhais.

Nos olhamos intimidados
cúmplices, irreais
o garçom passa e pisca
em fantasia pomposa.

É que estes bares noturnos, moça
são antro de gente perigosa.

(Peña Cauan. Pensão da Zulmira -15/04/1987).

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